Gleice Francisca Leal
O nome do amor quando você perde alguém é "LUTO"
Embora a morte neste mundo que exige tantas certezas, seja a única que temos, com o trespassar do tempo ela se tornou um fenômeno tão mitificado e temido que passou a ser vista como algo alheio à existência humana, como se poder ser entendido sem a consciência de que somos todos seres finitos. A experiência da morte é única. Cada um de nós a vivenciará de forma absolutamente única, pois nosso repertório pessoal nos fornecerá os elementos necessários para enfrentá-la. No entanto, é possível contar com o apoio e carinho de pessoas que, de alguma forma, nos ajudarão a enfrentar melhor esses momentos de agonia.
Quando nos deparamos com a morte nos encontramos em uma situação irreversível e inalterável que não podemos mudar. A perda de um ente querido é uma das experiências mais dolorosos que um ser humano pode passar. É dolorido não só para quem vive, mas também para quem a olha nem que seja pela simples razão de existir tão impotentes para ajudar. Para os enlutados, somente o retorno da pessoa perdida pode trazer verdadeiro conforto, então se o que oferecemos não é suficiente, é recebido quase como um insulto. Todas as idades e culturas vivenciam o pensamento da morte como traumático: choca, inquieta, aborrece. Em todo o mundo as pessoas sentem constrangimento e gaguejam quando se trata da morte. Em todos os lugares a experiência da privação ou morte de um amigo abala profundamente as pessoas; por toda parte, a expectativa da morte mergulha os doentes em um desespero apático. A complexidade na maioria das vezes está em nossa dificuldade em lidar com os sentimentos e emoções que fazem parte do nosso ser, mas dos quais esse mundo impessoal e artificial nos afastou.
Mas o que é luto?
O luto é uma reação dolorida e desorganizada à perda de alguém ou de algo. Consequentemente, o luto só existe diante do rompimento de um vínculo que é importante. Então, por que o luto deveria ser um processo de "esquecer" e "superar" uma perda? O luto é o sentimento de dor causado por uma ausência significante, seja simbólica como o rompimento de um relacionamento ou concreta, como a morte de um ente querido. Alguns definem o luto como a onda de dor e sofrimento, tristeza e medo, raiva e culpa, solidão e desespero que toma conta de uma pessoa quando ela passa por uma grande perda.
A forma como o Luto será vivenciado depende de cada elo quebrado, de cada experiência de amor que viveu. Dos sonhos perdidos. De cada perda que vivenciou. A dor é pessoal. Não existe dor maior, dor menor. O próprio sentido de quem sente a dor ao longo desse processo, o perdedor vivencia o desgosto da ausência e enfrenta a dificuldade de se adaptar a uma nova realidade.
"Meu luto é diferente do seu luto." O luto é um processo individual tanto quanto nossas impressões digitais. Está ligado ao meu passado, minhas memórias, meus laços e meus apegos.
O luto é um processo de dor e desorganização diante da perda de algo ou alguém. Não é apenas a morte. E este é um processo de desmantelamento, então o reajuste levará tempo. Se a perda tem significados e significados diferentes, o luto também.
O luto é um processo de trabalho sobre uma perda é necessária uma reabilitação cognitiva, emocional, social, psicológica, cultural, espiritual. O luto não é linear nem progressivo, só melhora quando termina e é “superado”. É um vai e vem entre conseguir trazer a vida de volta e entrar em contato com a dor da perda. O significado de cada perda é único para cada pessoa em cada ciclo de vida, religião e cultura. E junto a tudo isso Também a experiência da dor.
A popularidade do modelo de 5 passos mostra como é difícil lidar com a perda e como estamos desesperados por um "guia" para viver com a morte. E a confirmação de que um dia o luto vai acabar. Porém o luto é um movimento entre a recuperação e a perda, Mas esse movimento não ocorre em linha reta, é caótico neste ir e vir. Passar por esse processo desgasta aqueles que sofrem. O movimento de recuperação é um retorno gradual à vida e à vida cotidiana das famílias dos mortos. E caminhar para a perda é quando nos conectamos com a dor e as memórias.
O processo de luto não é linear que melhora e progride com o tempo. Haverá dias em que certas experiências ou memórias farão o enlutado sentir muita dor novamente. E haverá dias em que ele não estará tão envolvido com sua cicatriz. E é esse vaivém que causa tantas alterações físicas, emocionais e de humor nas pessoas enlutadas, pois é um processo que exige muita energia, que traz muito nervosismo, irritabilidade, perda de memória, falta de atenção, até mesmo dificuldades de aprendizagem. Entender isso é essencial para compreender o quanto a pessoa enlutada está engajada nesse processo fundamental de reorganização. A perda é para sempre, porem o luto, com um processo de escuta e acolhimento pode ser diluído.
Trabalhar esse movimento de reajustar e reorganizar após uma grande perda até que você possa superar a dor. Então surge a pergunta: Quanto tempo demora este processo? O tempo que cada uma leva nesse processo de adaptação a uma perda nesse ir e vir como das ondas do mar, até que a perda possa ser assimilada sem inundar os outros aspectos da vida e paralisar a vida do enlutado. A elaboração é quando o luto agudo se torna luto integrado, ou seja quando a intensidade da dor se dissolve e se torna parte de você, mas sua vida vai além da dor, é parte de você, não seu todo. O luto é eterno no sentido de lamentar uma perda. Não a gravitação da dor da amargura, mas após novas perdas, a dor pode se tornar aguda novamente.
Quanto tempo pode durar o luto?
Todo mundo está sofrendo e o tempo é necessário para sentir. O tempo dos sentidos não é o mesmo que o tempo imposto pelo relógio. A dor aguda não dura para sempre. Mas ela pode voltar.
O luto vem e vai constantemente, haverá dias bons e dias ruins. Dias em que você segue em frente com sua vida e dias em que uma onda gigante a leva embora e você entra em contato com a dor da perda.
Todo enlutado tem seu tempo. A perda dura para sempre. É um mundo pessoal e independente para cada pessoa. A vida nunca mais será a mesma. É necessário reconstruir um novo mundo e uma vida possível para se viver. Leva tempo para processá-la, para processar a perda para absorver cognitivamente essa perda e as mudanças que se seguirem. Só então poder se conectar a tudo isso e buscar significado. Nosso papel é oferecer suporte para que o enlutado vivencie esse vai e vem, principalmente na fase aguda quando tudo é muito intenso. O que olhamos durante esse período de luto é como uma pessoa passa por esse processo. Se ela está com dor ou tem danos prolongados, precisa de ajuda profissional.
Esse processo de formulação e adaptação leva tempo. É necessário um espaço para expressar a dor. Às vezes é preciso recontar a mesma história várias vezes até entendê-la. Com a perda o significado e a organização são perturbados, é importante encontrar a peça que falta neste quebra-cabeça e se conectar tudo isso. O enlutado precisa buscar e restaurar a ordem em sua vida. Há dias bons e dias ruins. Dias para pensar. Dias para lembrar. Dias em que as lembranças invadem sem permissão. Você não escolheu passar por isso, mas em determinado tem que seguir em frente. Há dor. Mas talvez você possa continuar apesar disso. Essa é a batalha da tristeza sentir saudades sem se afogar na dor e encontrar novos impulsos que levam à vida. Uma nova vida. Uma vida que vale a pena ser vivida. É necessário "viver o luto" para "não viver de Luto".
Os enlutados precisam de pessoas Ouvintes. O luto é para ouvir. Mas não deem ouvidos a quem quer "resolver o problema e "acabar com a dor. O luto leva tempo, mas não o tempo cronológico do relógio. O luto precisa do tempo necessário para sentir, para que a perda seja processada e não esquecida. O luto requer pessoas, com tempo que seja um ouvinte atento para que a perda se integre na vida do enlutado. Para que então ele possa continuar apesar da dor O luto é um movimento entre a recuperação e a perda. Então, para que esse processo aconteça, é preciso que o enlutado experimente esse movimento de tocar a dor da perda a intensidade e o caos desse momento. Infelizmente quando nos encontramos com essa pessoa desorganizada, com dor, nos desorganizamos juntos em busca de fórmulas para fazer a dor desaparecer. Tentamos "anestesiar" e evitar esse contato com a dor frases como: “foi melhor assim”, “vida que segue, “a vida continua” testemunham essa dificuldade em lidar com a dor da perda. No entanto, no luto esse movimento instável entre recuperação e perda é crucial.
Luto complexo é quando não há movimento de oscilação. A resposta de luto torna-se prolongada e severa, causando múltiplas interrupções no funcionamento dessa pessoa, incluindo doenças. Consequentemente, a experiência da dor faz parte da vida e da morte.
Luto complexo de longa duração, usamos esta palavra em vez de "patológico". Este é um momento em que não há relutância entre ganho e perda, e fica-se mais tempo em uma dessas duas esferas dos dois modelos. E não há saída para a amargura. Assim, não há um processo posterior de adaptação e consolidação do luto. Não há "luto complexo puro": há luto traumático, crônico, contido, retardado e não reconhecido. Luto Agudo, Luto Adaptação, Luto integrado.
Algumas reações ao luto complicado são: nostalgia, saudade intensa ou preocupação persistente pelo falecido incluindo um forte desejo de encontrar o falecido dificuldade em realizar atividades diárias e retornar à vida sintomas graves e persistentes, dor emocional intensa com perda significante da vida.
Certos tipos de luto complexo: luto crônico, inibido, tardio e traumático. O luto complicado não se trata apenas da presença ou ausência de sintomas, considerando aquela pessoa, que está lidando com aquela perda, naquele momento, naquelas circunstâncias. Em luto complexo os sintomas do luto agudo persistem além das complicações cognitivas, emocionais e comportamentais. E é extremamente importante monitorar e avaliar o impacto do sofrimento e dos danos na vida dessa pessoa.
Luto não Reconhecido: O luto não pode ser expresso, socialmente sancionado ou justificado. As sociedades suprimem o luto estabelecendo "normas" explícitas ou implícitas de quem, quando, por quem, onde e como sofrer, exemplo: CLT. Outros exemplos de luto não reconhecido: luto da infância, adolescência, luto do idoso, luto doméstico, luto reprimido. Não houve expressão de uma reação emocional à perda como resultado da decisão consciente ou inconsciente dos enlutados de se conter.
Luto Retardado: O indivíduo não se permite expressar sua dor e arrependimento adiando o processo de luto.
Luto antecipatório: fenômeno adaptativo para que os envolvidos possam se aprontar cognitiva, emocional e espiritualmente para o próximo evento que é a morte. Não é que antecipamos a morte e lamentamos a morte. Além disso Sentimos todas as perdas que sofremos durante este processo, por exemplo, no caso de uma doença incurável.
Luto Ambíguo: Uma situação indefinida causada pela pessoa não saber se a pessoa está presente ou não, se está viva ou morta. Exemplos: O desaparecimento inclui presença psicológica e ausência física. Por motivos de saúde durante o processo de Covid, não podemos ver o corpo no caixão. Luto Pet tem problemas em perder um animal de estimação perdido. Ou em caso de desastre, como em Mariana e Brumadinho onde não há cadáveres. Luto coletivo: desencadeado por um desastre natural ou humano sem precedentes.
Numa família enlutada, perante a mesma perda, cada um tem o seu próprio processo de luto e o seu próprio movimento de luto, incluindo as reações de luto, estes são impactos nessa convivência com diferentes reações à mesma perda. Para cada morte, entre 04 e 10 pessoas ficarão de luto. E cada um tem seu próprio processo e reação únicos. Sem certo e errado Todo mundo tem sua própria maneira de lidar com as perdas.
Para cada situação de morte ou perda, existem diferentes circunstâncias e fatores que interferem na forma como a pessoa sofre. É uma experiência única para cada um que precisa de cada conexão. Nem todo mundo experimenta todas ou uma forma dessas reações, e as reações ocorrem de maneira irregular e caótica.
O luto é um processo de construção, cultivo e reajuste que leva tempo. Existem também perdas secundárias no processo de luto que nem sempre são percebidas e reconhecidas, exemplo: O marido perdeu a esposa de morte repentina, o filho foi morar com os avós em outra cidade. Perda da mãe perda da casa quarto, brinquedos, amigos, escola, residir com o pai. Os avós perdidos nessa transição precisam se reajustar para cuidar dos netos. Ou ainda a perda e o luto de quem vai residir no exterior.
Diante da dor, o que devo fazer?
Respeite o seu tempo e o tempo dos outros. O luto lembre se não é um processo linear, progressivo, que vai aprimorando… O ritmo não é mais o mesmo e tudo bem. Pense na transitoriedade daquele momento, perda de previsibilidade e certeza.
Apoio ao luto o que dizer?
Falar a alguém em luto algo como "já?" (ele já está bem / já está com outra pessoa / já está saindo / já está recuperado / já vai ter outro filho), apenas desqualifica a dor de quem vive uma perda e a torna "prisioneiro" do próprio processo de luto, com mensagem de que a pessoa não pode prosseguir neste momento. Como se seguir em frente equivalesse a "negar" e "apagar" a mágoa e a dor da perda. Por outro lado, para alguém que está em luto você diz algo como "ainda?" (ainda sofrendo / ainda chorando / ainda esta história / ainda não recuperou), coloca os mandantes e a expetativa de um prazo que já passou” e a pressa de voltar a uma vida que já não é a mesma. Quando não sabemos o que dizer diante dessa dor, podemos simplesmente dizer: "sinto muito", "não consigo imaginar como você se sente", "aqui estou":
Luto é para ser vivido. Luto é para ser acolhido. Luto é para ser resinificado. Luto é para ter sentido. Luto é para ser sentido. Luto é para ser permitido. E não para ser esquecido. Acolha tuas memórias. Acolha tuas vivências. Acolha tuas perdas. Acolha tua dor. Acolha teu tempo. E...“acolha o seu Luto”
Quando perdemos ou nos separamos de alguém que amamos, as rotinas e hábitos de convivência nos obrigam a enfrentar algo doloroso: notamos que, em alguns casos, não há com quem concordar, discordar ou responder. Essa pessoa simplesmente não está mais lá. Não podemos mais falar sobre nada. O vácuo faz um barulho difícil de ignorar. E o grande desafio é como lidar com essa dor e angústia sem se perder pelo caminho.
Referências Bibliográficas
Worden, J. William. Aconselhamento e Terapia do Luto: um manual para profissionais da saúde mental; Tradução Adriana Zilmerman, Leticia Bertuzzi, Susie Health – Roca Ltda: São Paulo, 2013
Soares, Edirrah Gorett Bucar. Conversando sobre o Luto – São Paulo: Ágora, 2013
Paraízo, Marcos Kopeska. Superando a dor do luto – Quando vai passar? – Curitiba: A. D. Santos Editora, 2009
Agradeço a Psicanaista Gleice por abordar esse tema tão relevante e por nos proporcionarem as ferramentas necessárias para enfrentar, compreender e, eventualmente, superar o luto em tempos tão complexos. Este é um lembrete poderoso de que, mesmo nos momentos mais sombrios, a partilha de conhecimento e compreensão pode iluminar o caminho para a cura e a esperança.